quinta-feira, junho 19, 2008

Gestão engarrafada



Numa conversa recente com uma pessoa que trabalha no hotel Corinthia Lisboa, surgiu-me a necessidade de falar sobre a questão dos engarrafamentos que atrofiam a gestão das empresas. Tudo isto apesar do que se diz em entrevistas, que a inovação ou as pessoas são o o que de mais importante existe na empresa. A realidade, essa é bem diferente. Baseando-me no conhecimento algo profundo do Corinthia Lisboa, e da sua gestão, vou debruçar-me sobre as práticas correntes.
Porque será tão difícil aplicar os modernos princípios de gestão? O que será preciso para os gestores agirem como tal, e não como um híbrido de merceeiro e ditador de terceiro mundo? Apesar dos inúmeros artigos e livros sobre o assunto, desde a Harvard Business Review até à TV Guia, ainda ninguém conseguiu identificar os atributos psicológicos que ajudariam a alcançar o sucesso empresarial. Talvez a resposta esteja na psicologia. Mas como?

Diariamente, guio de Lisboa até Carnaxide, a saída da auto-estrada está congestionada todas as manhãs. Um dia, estava eu parado no semáforo antes de um cruzamento e observei o caos instalado. Alguns carros já estavam a bloquear o cruzamento. Quando acende a luz verde, o carro à minha frente arranca com jactância, queima pneus em três curtos metros e rapidamente está parado – colado a todos os outros veículos no centro do cruzamento.

Faz-te lembrar alguma coisa? Nos engarrafamentos, quando a luz fica verde (e não me estou a referir à dos peões, que não são para aqui chamados), porque se apressam a pessoas em avançar – apesar do cruzamento estar bloqueado? Não é óbvio que isto apenas irá piorar as coisas? Que necessidade será esta de nos colocarmos em ainda piores situações do que a actual? Porque não aprendemos com a experiência (algo que qualquer macaco Gervásio faz) para descobrir soluções que não sejam as piores? Em resumo, serão tão limitadas assim as nossas capacidades?

Alguns dias mais tarde, guiava eu em Évora. Cheguei a um cruzamento em que os semáforos não estavam a funcionar. Iria o pesadelo recomeçar? Para minha grande surpresa, o tráfego fluía suavemente. Seria de estar no Alentejo? Levou-me alguns segundos a perceber que cada condutor:

a) Conseguia memorizar a ordem de chegada ao cruzamento; e
b) Tinha o cuidado para apenas entrar no cruzamento quando fosse a sua vez.

Por outras palavras, as luzes não eram necessárias. E duas simples capacidades tornaram este milagre possível: a capacidade de aquisição de conhecimentos e a capacidade de se relacionar com outros seres humanos de uma forma honesta.
Poderá isto ser o princípio da solução do problema dos engarrafamentos?

Outros dias passados, estava em a caminho de Carnaxide, meditando no meu engarrafamento habitual. Tal como esperava, o cruzamento à minha frente estava bloqueado. A luz ficou verde… tive uma ideia. Que tal esperar um pouco – sem entrar no cruzamento, apesar de ser a minha vez de me juntar à confusão – deixar o tráfego fluir? Não seria isto muito melhor para todos os carros bloqueados em ambas as ruas? Quantos minutos, talvez horas, teriam ganho dezenas de condutores, apenas porque um carro estaria disponível a esperar perante uma luz verde. Será Utopia? Esta era sem dúvida uma solução: decidir esperar independentemente do que os outros estivessem a fazer. Reformulei a questão: porque repetimos os mesmos comportamentos que nos impedem de adoptar acções mais eficientes?

Voltemos atrás. O que tem a ver a vida empresarial com um engarrafamento? Dado que a maioria dos gestores diz ter uma abordagem racional à tomada de decisões, arranques e travagens bruscas nunca deveriam ser comportamentos de gestão. Os gestores do Corinthia Lisboa dizem que recolhem informação, analisando-a e decidindo sobre isso. Porque não conseguem o que querem? Porque perdem quota de mercado e os seus melhores elementos fogem para a concorrência? Porque, como condutores a entrar num cruzamento movimentado, ficam surpreendidos com as consequências das suas acções?

Simplesmente porque o modelo de tomada de decisão utilizado por estes gestores está muito próximo do IJR (Ignorar/Julgar/Reagir). Estarei a exagerar? Os condutores bloqueados não sabem como sair do engarrafamento e a tensão sobe. A determinado ponto – quando a luz fica verde e as emoções estão ao rubro – julgam que é a sua vez e reagem arrancando em direcção ao estrangulamento.

Exactamente o mesmo que acontece com estes gestores. Todos ignoram as causas profundas de situações de negócios, tal como as consequências reais daquilo que julgam ser a “melhor” solução e reagem assim, com decisões que estão limitados com as suas ideias preconcebidas.

Aprenderam alguma coisa, entretanto? Sinal verde… lá arrancaram eles a queimar borracha!

2 comentários:

Someone disse...

O que é importante nas empresas são as pessoas, mas os clientes delas, e porquê? Porque são eles que lhes dão os ganhos...Todos sabemos que a concorrencia é cada vez mais desleal, o que interessa são os ganhos imediatos, mesmo que seja preciso passar por cima do outro...o mesmo acontece por essas estradas...não interessa chegar ao destino mas sim mostrar aos outros que tem um carro melhor, mais potente ou "sou muita bom a conduzir", coitados, não se apercebem da figura de triste que fazem. Mas apesar de todos os problemas de gestão que existem, em que muitos deles poderiam ser facilmente resolvidos se os Senhores Doutores Gestores estivessem dispostos a tal, e essa resolução até seria bastante favorável a eles, todos sabemos que criar a solução perfeita para gerir lucros (que com eles são pagos os salários) e pessoas não é tarefa fácil! Acho que temos sim uma verdadeira falta de capacidade de liderança, motivada pela falta de valores e de educação, o que nada tem a vêr com a ciencia da Gestão (esse belo curso que eu tirei :)

Évora essa bela terra onde o tempo parece infinito!

Unknown disse...

Partilhamos ideais de gestão e as belas cidades, Someone!

Ficamos no semáforo à espera que se atropelem uns aos outros; daremos à volta aos escombros.

Beijos