sexta-feira, março 10, 2006

Sonho Roubado

Aconteceu mesmo.

O Simão ligou-me, era fim de tarde e através da janela do carro conseguia apreciar o afrouxar da cidade. Estava entusiasmado, falava alto num turbilhão de palavras coladas e inquietas, os seus gestos quase que se adivinhavam no meu lado do telefone.

“Nem imaginas o sonho que eu tive, e tu também estavas lá na varanda com grade de ferro e vista para o rio.”

Senti-me incomodada, algo naquelas palavras vagas gritava familiaridade, eu conhecia aquela janela com vista para o rio.

“Ouve Susana, foi tudo tão real, depois entraste em casa e eu fui atrás de ti, para dentro da casa, mas as divisões estavam todas ligadas, entravas por uma porta e saías por outra...”

Todas aqueles pormenores apelavam a memórias que julgava arrumadas na antecâmara do meu subconsciente, memórias de um sonho antigo reduzido a lágrimas salgadas.

Desligámos o telefone, parei o carro sem perceber onde estava, tinha de parar e sair, ansiava pelo ar fresco do fim de tarde, precisava de fugir a correr de dentro do sonho do Simão.

Saí do carro, olhei para cima, estava em frente a uma porta, mesmo colado à ombreira o número nove, desavergonhado, olhava para mim. Era a porta, que dava para a rua, da casa da varanda com vista para o rio, no último andar de um prédio antigo, com todas as divisões ligadas como se fosse uma casa circular.

Só faltou o cheiro a baunilha neste sonho roubado.

4 comentários:

Carlos Gouveia disse...

"...Estava entusiasmado, falava alto num turbilhão de palavras coladas e inquietas, os seus gestos quase que se adivinhavam no meu lado do telefone."

Tu vias os gestos. E o número nove, desavergonhado.

Um sonho antigo e salgado, que para outro era bem presente e doce. Um sonho de vidas ligadas.

Anónimo disse...

Dé javu... (ou whatever)

Sofia Viseu disse...

"Um sonho de vidas ligadas"
Um sonho partilhado
Não roubado

Lu disse...

Prefiro imaginar que existem muitas casas iguais com vista para o rio.

Mais uma coincidência para a minha colecção
;)