quinta-feira, outubro 27, 2005

Lentidão #1



Aproximei-me do sofa onde planeava sentar-me tranquilo por algumas horas, juntando as peças espalhadas de mim próprio. Sentado entre uma janela e uma parede que imagino pintada de verde lima, aquele recanto parecia flutuar sobre a terra como um barco-casa algures em Caxemira. Os gatos vieram sentar-se ao meu lado.
Deixei cair os sapatos. Senti o quente do soalho de madeira nas solas dos meus pés. Pela janela entrava o aroma de terra molhada que o sol começava a evaporar. Liguei o leitor de cds, hesitei na escolha, play.

Ontem, fui ver “Alice”. Tinhas razão, é muito bom: fiquei impressionado com a abordagem estética a Lisboa, não a costumamos ver assim (um “período azul”). À saída, uma amiga comentou “acho que faz juz ao cinema português... é muito lento”. Este problema da lentidão causa-me algum transtorno. Dizerem que um filme (ou uma música, por exemplo) é muito lento não significa nada para mim; é apenas uma característica, como ser a preto e branco, francês, alemão ou japonês.

Penso que foi Pascal que disse que todo o infortúnio dos homens vem de uma única coisa: a sua incapacidade de permanecerem tranquilos num quarto. Regra geral, acho que as pessoas têm uma grande dificuldade em lidar com a lentidão. Ah, e o silêncio.

4 comentários:

Unknown disse...

Há a distância de um abismo entre aqueles que dizem também fazer mas nada fazem e os que, nada dizendo, criam.
Comparadada com o acto criativo, a crítica (principalmente a que destroi sem nada acrescentar) é tão fácil, banal e frequentemente boçal.

Regra geral, para mim, a escolha de um cd nunca é um acaso.

Lu disse...

Eu não achei o filme lento! Senti que estava no meio de uma avalanche de emoções. Algumas demasiado fortes.

Também gosto de parar o tempo, esticar um momento e sentir todos os pormenores.

Quem fala assim do Miró não sabe o que é arte! Podemos não gostar de um artista mas muito dificilmente podemos repetir o teu processo criativo. É único, fascinante.

Escolhas ao acaso! Podem parecer mas o subconsciente está sempre a fazer das suas. A minha escolha matinal não foi inocente, mas era o cd que estava ali, em cima do móvel quando estava à procura dos óculos. O vento fez o resto...

Unknown disse...

Sabes como os gatos são curiosos... qual era esse cd?

Lu disse...

Era o cd dos Elbow!
E hoje foi o de interpol, com a chuva a entrar pela janela.