sexta-feira, junho 26, 2009

Michael



Hoje, morreu o Michael Jackson. Ao pequeno-almoço, comi um queque de maçã.

quinta-feira, junho 25, 2009

Mapas



É curioso, vivemos a vida na primeira pessoa do singular mas, chegado o final, aparece-nos a opção de uma alteração do relato. Esta nova velocidade das coisas é a que nos permite então ver-nos de fora, ver-nos olhar, sentir-nos sentir, morrendo morrer. Talvez se trate do mais primário dos mecanismos de defensa ou do mais convincente dos placebos. Talvez por isso todos aqueles desesperados que dizem ter estado mortos e voltam para contá-lo insistem na imagem de si mesmos cada vez mais reduzida, ali abaixo. A pessoa como personagem, um espelho de carne e osso. O corpo como um plano, como um sem-fim de gráficos e cálculos. A escada de caracol do ADN, a medula como uma via láctea. O corpo visto como essas fotos tiradas a grande altitude - castanhos e verdes e azuis - que se utilizam para fazer os mapas.

quarta-feira, junho 24, 2009

Contacto


Karen Hohman

Um amigo é alguém que conhece o teu bater de coração, alguém que te ajuda a desembrulhar qualidades. Uma pessoa sem amigos corre o risco de nunca chegar a conhecer-se. Cada amigo é um espelho que nos refracta num ângulo distinto. Cada amigo cria em nós uma zona de contacto.

quinta-feira, junho 18, 2009

Duração ilimitada



Chegam apressados e nunca dizem para quê, nem de onde vêm e em seguida pedem-te dois mil euros que te hão-de devolver; ou tiram-te a toalha sem respeito quando estás no duche, usam o teu perfume, arrastam-te a lugares espantosos e nem sequer pedem a tua opinião e bebem desalmadamente, põem-se a cantar em qualquer parte, compram-te umas flores e um dia saem a correr quiçá até aos confins do mundo, que desastre.

Rapariga assustada, militante de um partido ecologista: tropeças num desses loucos furiosos. Não o deixes escapar, leva-o para casa; são ternos como crianças, às vezes têm frio (quem sabe porquê), dormem pouco e são curiosos. Têm um grande inconveniente: vão-se mas voltam logo a seguir e duram toda a vida.

quarta-feira, junho 17, 2009

Agridoce



Lisboa é uma cidade imortal. Se todas as cidades desaparecessem por completo não sei se ressuscitariam ou se permaneceriam em ruínas. Lisboa irá ressuscitar época atrás de época pelo sítio em que está e porque o viver agridoce está escrito no sítio que ocupa.

terça-feira, junho 16, 2009

Espelho plural


Gerhard Richter - Seascape

" El mar, el mar y tú, plural espejo,
el mar de torso perezoso y lento
nadando por el mar, del mar sediento:
el mar que muere y nace en un reflejo.

El mar y tú, su mar, el mar espejo:
roca que escala el mar con paso lento,
pilar de sal que abate el mar sediento,
sed y vaivén y apenas un reflejo.

De la suma de instantes en que creces,
del círculo de imágenes del año,
retengo un mes de espumas y de peces,

y bajo cielos líquidos de estaño
tu cuerpo que en la luz abre bahías al oscuro oleaje de los días. "

Octavio Paz

segunda-feira, junho 15, 2009

A Pantera



«De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
abre-se em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.»

Rainer Maria Rilke

sexta-feira, junho 05, 2009

L.Gato à Europa!



Companheiros e companheiras, ora metam lá a vossa mão na consciência (ou noutro sítio que mais vos agradar) e procurem as respostas. Preferem mesmo ir apanhar banhos de chuva na praia, filas de trânsito intermináveis e metade do país no Algarve? Preferem ir à missa e ouvir a mesma merda de sempre? Porra, já todos estamos carecas de saber que o Cristo morre e ressuscita no final. Preferem mesmo ir para o shopping alimentar a depressão de olhar para as montras e saber que não há guito para aquilo?

Ou preferem ir votar L.Gato e comer umas sardinhas a seguir? Ah, pois é!

terça-feira, junho 02, 2009

A segunda sardinha



Na mesa ao lado, um vendedor de gravata cor-de-vinho, vendia-se a si mesmo. “Um aldrabão”, dizia ele do outro. Seria este outro aquele que diz como seria?

- “Importas-te que eu barre uma batata cozida com a barriga da sardinha e a coma?”, perguntei-lhe. “Causo-te asco, se fizer isso?”, insisti.
- “Sim. Se continuares com essas perguntas tontas.”

Amava-a. Assim, exactamente assim.