quarta-feira, novembro 30, 2005

O gato sugere

Três sugestões musicais para o feriado:
  • TV on the Radio (alternativa 4AD),
  • Chromeo (colectânea disco-funk-party not too much gay), e
  • Bebo y Cigala (neo-flamenco not cheese).

Todos diferentes, nada iguais.

Noite encerrada



A noite vai-se fechando. Num momento cruzam-se sons vagos e algo sucede que a cidade cala, alarga-se o medo como um rio, os contornos encolhem-se e o horizonte tenta fechar a porta, cada vez mais frio, menos sol, cada noite escura, deixa a vida um pouco mais deserta.

Triste, sim, mas não com a tristeza suáve nem com qualquer sentimento egoísta, mas apenas com o ânimo deprimido de quem se vê no meio da multidão que entra e sai do metro, percebe o seu corpo como apenas mais um. Esquecendo-se que não é o corpo que interessa.
Baixo, em baixo. Ruas de tons sombríos, esse cinzento da cidade, cor de tumores ou escória.
Mais que de anoitecer, era um céu de dezembro, quando o dia nasce apenas para dar lugar ao crepúsculo, e este à longa noite. A brisa acalmou, vão-se perdendo os vermelhos e dourados das folhas e despem-se as árvores, ramos cinzentos, imóveis e de ramos aguçados, pontas que incharão ao longo do inverno guardando-se para um tímido sol quando o inverno se chamar primavera.

terça-feira, novembro 29, 2005

Elizabethtown

Este filme vai directamente para o top das maiores secas de sempre.
Pareceram 5 horas em que um tipo horroroso, com a mania que é giro, andou de cliché em cliché à procura de um qualquer sentido da vida. Ela sim, é gira, até tem uma personagem engraçada, divertida, mas até ela se perde naquele drama sem drama, na comédia sem interesse.

Saí tão entediada da sala que me esqueci de pedir o meu dinheiro de volta.

“Quero o meu dinheiro de volta
Tanta gente a dar-me a volta
Não foi para isto que eu vim cá
Quero o meu dinheiro de volta
Não é tarde, nem é cedo
Quero o meu dinheiro já”

Mr. Myagi is dead...




Ai os anos 80. Gosto desta década. Tudo bem, eu só fui dos 10 aos 20 à sua passagem, acho que é natural ter boas recordações desse tempo. Há uma memória em particular de um Verão em que eu estava a brincar ao Karate Kid a esmagar violentamente bagos de uvas na cozinha.
O Karate Kid é um clássico dos anos 80, puro entretenimento regurgitado. O filme tem um enredo bastante básico o que é provavelmente uma boa coisa; qualquer filme com pretensões intelectuais em que entrem montes de gajos a lutar uns com os outros é uma batalha perdida (aparte do primeiro Matrix!). O Daniel Larusso é o puto novo na cidade e a vida não lhe corre bem; conhece a garina dos seus sonhos numa beach party. Infelizmente, acontece que a boneca é a ex do lider de um gang do karaté, conhecido como Cobra Kai. Depois de levar uns valentes enxertos de porrada, o Dani tenta encontrar um sítio para o tornar no gajo que dá e não no que leva, mas vai parar ao dojo dos jagunços e lá leva mais um enxerto para o caminho. Tenta então aprender sozinho, tendo a sorte de encontrar o Sr Miyagi entretanto, caso contrário nem uma coreografia do D’Zrt conseguiria acompanhar. Depois de ser ajudado pelo sábio japonês, lá volta ao dojo e sai de lá com um torneio de karate na agenda (ainda não existiam palms nesta altura). Dani tem dois meses para aprender karate, sacar a garina e rebentar com a boca ao macaco.

E mais não conto... vão já a correr ao DVD Club alugar o Matrix!

segunda-feira, novembro 28, 2005

Estranhos desejos



Lá começam a berrar os meus desejos. Calam-se acobardados, regressam inofensivos, transformam-se, correm. Atravessa-me o corpo uma corrente fria, vinco os dedos no sofá. São os desejos que me levam, culpo-os por toda a chuva que golpeia a janela.

A Strange Day

Give me your eyes
That I might see the blind man kissing my hands
The sun is humming
My head turns to dust as he plays on his knees
As he plays on his knees

And the sand
And the sea grows
I close my eyes
Move slowly through drowning waves
Going away on a strange day

And I laugh as I drift in the wind
Blind
Dancing on a beach of stone
Cherish the faces as they wait for the end
Sudden hush across the water
And we're here again

And the sand
And the sea grows
I close my eyes
Move slowly through drowning waves
Going away
On a strange day

My head falls backs
And the walls crash down
And the sky
And the impossible
Explode
Held for one moment I remember a song
An impression of sound
Then everything is gone
Forever
A strange day

quinta-feira, novembro 24, 2005

Demasiado

Chateia-me ter demasiado trabalho. Esqueço-me de comer, como demais, digo que sim a toda a gente, não atendo o telemóvel e quando chego a casa fico a olhar para uma vela a arder, em transe. O som da cera a ferver junto ao pavio.

Ze French Revolution #2




Durante um dos fulgurantes momentos de paranóia revolucionária acéfala, 1.376 pessoas foram guilhotinados em apenas 47 dias. “Ah granda Liberdade! Como gostam de brincar contigo.” Eu sempre preferi o moderado Montesqieu ao Robespierre a os seus companheiros radicais (o BE da altura).

Lei da moralidade política: o mal afasta o bem à medida que toda a gente se torna corrupta enquanto a vida política se torna numa guerra entre todos, num perpétuo e inquieto desejo pelo poder que apenas termina em morte.

quarta-feira, novembro 23, 2005

Lost & found



Aos vinte anos um homem está louco de amor, e assim, talvez, aos cinquenta esteja apaixonado por uma perversa adolescente, sendo capaz de cometer loucuras sublimes. Mas o homem de trinta anos que ama pela primeira vez é discretamente cauteloso. Não se apaixona de forma violenta, deixando-se cair suavemente.

Tinha perdido algumas ilusões sobre as mulheres; tinha visto mais de um amigo arruinar-se num casamento absurdo; conhecia o prazer da liberdade de solteiro, sem cansar-me dela; via riscos onde os putos percebiam ecstasy, o homem aparentemente maduro era apenas uma feliz libertação da solidão. Em vez de procurar, esperava ser procurado, era egoísta e restricto. Encontrei-a, e com ela momentos de um afecto adormecido, que seguia sóbrio, de olhos abertos, cuidadoso, demasiado orgulhoso para parecer angustiado.

terça-feira, novembro 22, 2005

Viagem de nada a nada

Durante os últimos três anos a minha não tem seguido um rumo fixo. Indo de nada a nada, sem patrão nem destino, sem refúgio. À deriva. Empenhado na inutil fuga de mim próprio, em busca de um lugar onde cair vivo. Bebendo Bacardis e beijando lábios e vendo filmes e escrevendo textos, em geral bastante maus, há que reconhecer tudo isto.
Bacardependente assumido. Nunca poderia ser Burroughs.

Uma vida em constante movimento, a travessia contínua, saídas a horas improváveis, encontros em lugares inesperados, perseguições, enganos, traições, vinganças, caras novas, gente nova, caramelos, cachupa, idas e vindas, nenhum lugar seguro, nenhum dia igual a outro. A vertigem da aventura, mais um copo.

Vendo bem as coisas, nem foi assim tão mau.

Viagens


Praia do Meco - Agosto 2005

"The traveller sees what he sees. The tourist sees what he has come to see."
G.K. Chesterton

segunda-feira, novembro 21, 2005

Sigur Rós



Foi a música que me fez viajar. Viajei para fora de mim, a música fez-me isso. Estaria louco? Não, louco estava quem não se dispôs a partir. Foi um sentir raras vezes sentido, excessivo e transbordante. Talvez tenha sido loucura.
Eles cantavam na língua da terra sem árvores; mas também não acho que precisem delas.

Takk. Por existirem; por partilharem algo de tão precioso connosco. Takk.

http://sigur-ros.co.uk/media/index.php

(suspiro)

sexta-feira, novembro 18, 2005

Boneco!


Caro Pinóquio,

Tinha eu 7 anos quando vi as tuas Aventuras pela primeira vez. Lembro-me de ter gostado muito nessa altura. A verdade é que eu reconhecia-me em ti, no teu ambiente, o meu ambiente.

Queixei-me, torci a boca, escondi a cabeça debaixo de lençóis para não tomar o xarópe amargo. A torrada com manteiga dos dois lados, a tarte de maçã com canela e, ás vezes, um ovo cozido ou a casca de um queijo eram um prato sofisticado para ti; o mesmo para mim.
Também eu , quando ia e regressava da escola, via-me envolvido em batalhas de lama no inverno, murros e pontapés em qualquer estação do ano.
E, há pouco tempo, regressáste. Apareces na TV mas continuas o mesmo. Eu, envelheci. Estou no outro lado da barricada. Já não me reconheço em ti, mas nos teus conselheiros: no chato do professor Gepeto e no grilo que tanto me irritava. A fada? Não gosto do sistema dela. Quandos és perseguido por assassinos, bates desesperado à sua porta, ela põe a cabeça de fora com a sua cara pálida, como uma figura de cera, recusa deixar-te entrar e deixa que te pendurem numa árvore.

Hás-de ver por ti: a idade difícil, tanto para ti como para os teus educadores. Não és mais uma criança, e irás rejeitar a companhis, as leituras, os jogos dos mais novos; mas também não és um homem, e irás sentir-te incompreendido e rejeitados pelos adultos.

Afinal não somos assim tão diferentes. Mas, não sei bem porquê, isso não me faz sentir melhor.

Dúvida

“Creio que é preferível condenar um ser imaginário à realidade que um ser real à ficção”
José Carlos Somoza

Não será ao contrário?
Lembrei-me do Pinóquio!

O teu nome?

Dormes sobre carícias nocturnas numa cama desconsolada, pálida, lisa, despojada, com a garganta descoberta preparada para ser mordida, demasiado ardente para ser pura. Os teus lábios abrem-se lentamente e dizes – nada mais ouço que uma palavra – prazer.

E toda a tua cara é mel para a minha boca, e todo o teu corpo alimento para os meus olhos; os teus braços compridos e mãos que queimam, palpitam, o teu cheiro, os teus pés. Chamo-te desejo.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Terror as usual



O mundo foi mais visitado pela violência colectiva (em termos absolutos, e provavelmente em valores per capita também) nos séculos XX e XXI do que em qualquer outro período nos passados 10.000 anos. A expansão Mongol e os 30 anos de guerra na Europa foram tempos de terrível destruição. Mas o que as primeiras guerras despoletaram não é nada comparado às mortes e ao extermínio de civis características dos conflitos deste século. Entre 1900 e 2004, o mundo produziu 250 novas guerras, internacionais ou civis, nas quais a média de baixas (política e correctamente designadas como danos colaterais) ultrapassou um milhão de mortes por ano; isto significa cerca de 3 novas guerras por ano. Tudo somado, então, morreram cerca de 100 milhões de pessoas neste século como resultado directo da acção militar apoiada por um qualquer governo. Um número semelhante de civís terá morrido vítima de doenças potenciadas pela guerra e outros efeitos indirectos.

Esqueçam a gripe das aves, as pessoas "caem que nem tordos" desde há muito. A pandemia já vem de longe, e está para ficar. Tudo acabará com o último homem.

King Kard

Já não aguento o anúncio do pintas cabeludo, a música, os gestos, a imagem gasta. SOCORRO. Que pesadelo. Já me valeu 10 gargalhadas pelo susto, mas JÁ CHEGA!

quarta-feira, novembro 16, 2005

Ao largo

Passam lentos os dias em que estamos sós. Um destino conduziu as horas e trouxe companhia. Chegaram as noites. Sobre elas acendiamos palavras, as palavras que logo abandonamos para avançar, começamos a conhecer-nos por cima da voz.

Agora sim. Podemos trocar palavras suáves, que flutuam sobre o ar; estamos de novo no mundo, começamos uma história. Atrás de cada um a sua casa, o campo, a distância.

Agora cala-te. Quero dizer-te uma coisa. Às vezes, ao falar, alguém se esquece do seu braço sobre o meu, e ainda que esteja calada sabe-me bem, há tranquilidade nos corpos e entre nós. Quero dizer-te como todos traímos as nossas vidas. Uns e outros, há tanto tempo nem sabemos quanto; na recordação a alegria é igual à tristeza. Para mim a dor é suáve.

O tempo. Tudo se compreende nele. Não?

Sorriso

Não sei explicar. Chega sem avisar. São mil e um cenários que se constróem e se desfazem num instante. São tão rápidos que não consigo evitar a alteração da minha expressão no sentido de um sorriso.

terça-feira, novembro 15, 2005

Amador

Somos como são os que se amam. Ao despir descobrimos dois monstruosos desconhecidos, com cicatrizes que o desejo marca quem se ama. O tédio, a supeita que nos prende.
Apaixonados como doidos, enganamo-nos apenas para que nos incendeie o abraço; sete vezes morremos em cada dia.

Mesquita em Istambul


Outubro 2005

segunda-feira, novembro 14, 2005

A minha esperança


Por Luís Qual

alucimar



Com as costas sobre rocha que o mar varre em noites negras, sonhei um amor louco, com vaivém de tempestades, alucinante, com aroma de algas e sabor de sal. Um amor de horizontes infinitos sobre o mar e debaixo do sol, que ao crepúsculo me leva para uma caverna que a luz nunca visitou.

Com as costas sobre rocha, sonhei ir com o mar; adormecer nas profundezas e nunca mais regressar à terra dura.

sexta-feira, novembro 11, 2005

Classificados



Algo te identifica com o que se afasta de ti, e é a capacidade de voltar o teu maior arrependimento. Algo te separa do que permanece contigo, é a escravidão da partida o teu mais insignificante prazer.
Dirijo-me, desta forma, às individualidades colectivas, tanto como às colectividades individuais e aos que, entre umas e outras, continuam a marchar ao som das fronteiras ou marcam o passo imóvel no rebordo do mundo.
Algo tipicamente neutro interpõe-se entre o ladrão e a sua vítima. O mesmo se passa entre o cirurgião e o seu paciente. Meia-lua horrível, objecto furtado de peso indiferente.
O que há de mais desesperante na terra, que a impossibilidade em que se encontra o homem feliz de ter pouca sorte e o homem bom, de ser uma besta?

Aleijar-se, cair, regressar, partir! Toda a mecânica social se arruma nestas palavras.

(Nota: Confesso que foi um post no blog Uroborus - http://www.uroborus.nsilva.com - que me deu o ponto de partida para este texto. Obrigado RSD.)

quinta-feira, novembro 10, 2005

O que cai



Não posso escrever sobre ti mais verdadeiramente que tu mesma. Não que seja incapaz por natureza, mas porque a tua verdade foi escrita por ti. E porque tu escrevias para ser lida depois de desapareceres, porque a li já contigo longe e a fiz minha, essa verdade é a mais forte de todas. Não poderei ir mais além. O que guardo de ti, e que só a mim pertence, não é da ordem da verdade mas sim da física. Joelhos que se tocam, sabor a vinho na língua, perfume nos braços, olhar e voz que me abraçam. Isso é só meu.

Nada me leva à escuridão, a noite leva a luz, os objectos são reais, não se veem mas sentem-se. E o silêncio é o que cai quando tudo se sabe e nada se espera.

Esta manhã

Fiquei com o teu cheiro na ponta dos meus dedos, no meu pescoço, na roupa, por todos lado. O teu sabor ficou nos meus lábios, numa melodia de beijos. O teu olhar, ai o teu olhar, ficou gravado no meu peito como uma chaga que não fecha nunca.
Hoje não tenho frio, não posso ter...

quarta-feira, novembro 09, 2005

Pontos de luz

Nunca tinha pensado se seria a única pessoa a fechar os olhos e olhar os pequenos pontos de luz que se formam na minha escuridão. Agora sei que não estou sozinha a imaginar os milhares de pontos que se juntam e separam numa dança sem fim.

terça-feira, novembro 08, 2005

Balões



Gosto de balões de ar quente. Fazem-me pensar em viagens sem destino. Em destinos perdidos no azul do céu.

Paris 2006



Sem dizer palavra, levantou um pouco o fragmento. Todos o tinhamos visto, ainda que ela aparentemente o ignorasse. À medida que crescia o medo, tornavamo-nos mais cautelosos. Corriamos como loucos, populações inteiras em fuga. Algo novo e poderoso rompeu a vida da cidade, homens e mulheres só pensavam em salvar-se, abandonando casas, empregos, negócios, tudo, mas não o nosso comboio, a maldita máquina da qual já nos sentíamos parte, como mais um assento, continuava com a precisão de um relógio.

Faltavam duas horas. Duas horas mais tarde, à chegada, já saberíamos o que nos esperava. Duas horas. Uma hora e meia. Uma hora. Já caia a escuridão. Vimos ao longe as chamas da nossa cidade e ela sem poder fugir, um halo laranja no ceu. O comboio apitou, as rodas ressoaram no labirinto de encruzilhadas. A estação – agora escura - , os cartazes, os horários, tudo estava como de costume. Ainda estavamos em movimento, quando reparei que a estação estava deserta. Por mais que procurasse não vi uma única figura humana. O comboio parou, por fim. Corremos para a saída. Pareceu-me ver ao fundo um funcionário que desapareceu por uma porta, aterrorizado. Que se teria passado aqui? Não encontraríamos uma pessoa nesta cidade? De repente, a voz de uma mulher, alta e violenta como um disparo, “Socorro!”. O grito ecoou com a sonoridade dos lugares abandonados para sempre. O ódio já tinha chegado.

A marcha dos Pinguins



Ninguém me tinha dito que o filme tinha entrado em circuito comercial. Quando o vi em cartaz fiquei doida.

As expectativas eram altas, ia com os sentidos todos em alerta. Um filme sobre pinguins. Um Documentário. Quem diria que seria um filme cheio de sensibilidade, poesia, ternura e beleza?

O filme excedeu todas as expectativas! Até na banda sonora.

Fiquei a compreender melhor porque me chamam pinguim, é pelo andar trapalhão, ora de pé ora a deslizar no chão. Também gosto da dança de mimos. A parte do bico é quando estou a fazer birra...

segunda-feira, novembro 07, 2005

Centro

Lancei um olhar em redor. Tinha chegado o momento de partir. Entristeci, recordando os dramas em que um indivíduo se vê fora do seu lugar e cai só junto ao rio. Estou de acordo com esses pensadores que dizem que nos devemos dar por satisfeitos de passar dificuldades. Aparentemente, o sofrimento purifica.

Estava no centro exacto do meu quarto, não sei bem porquê, comecei a pensar que no mundo há muitos homens sem criados.

domingo, novembro 06, 2005

Uma casa na escuridão



“O amor é o sangue do sol dentro do sol. A inocência repetida mil vezes na vontade sincera de desejar que o céu compreenda. Levantam-se tempestades frágeis e delicadas na respiração vegetal do amor. Como uma planta a crescer da terra. O Amor é a luz do sol a beber a voz doce dessa planta. Algo dentro de qualquer coisa profunda. O amor é o sentido de todas as palavras impossíveis. Atravessar o interior de uma montanha. Correr pelas horas originais do mundo. O amor é a paz fresca e a combustão de um incêndio dentro, dentro, dentro, dentro, dentro dos dias. Em cada instante de manhã, o céu a deslizar como um rio. À tarde, o sol como uma certeza. O amor é feito de claridade e da seiva das rochas. O amor é feito de mar, de ondas na distância do oceano e de areia eterna. O amor é feito de tantas coisas opostas e verdadeiras. Nascem lugares para o amor e, nesses jardins etéreos, a salvação é uma brisa que cai sobre o rosto suavemente.”

Este foi o livro que li durante as férias. As emoções da viagem foram ficando coladas às páginas do livro. Comecei por me sentir embalada pelas palavras, um poema em forma de prosa.

A escuridão chegou mais tarde, de repente. Fui surpreendida por uma violência que não conseguia compreender e as emoções atacavam todos os poros da minha pele até me deixarem entorpecida.

Talvez por isso tenha sentido a viagem de outra forma. As montanhas que pareciam esculturas de areia e me faziam sorrir a cada perspectiva nova. O almoço na montanha com as vozes Búlgaras ao longe. O grupo a tocar e a dançar sons ciganos à porta de um mosteiro. As velhotas a fiarem na soleira das portas numa povoação cheia de burros e carroças. As montanhas verdes salpicadas com as cores quentes do Outono.

Estive longe de casa, mas encontrei-me no fundo de mim própria.

quinta-feira, novembro 03, 2005

Just a perfect day


Doisneau

Just a perfect day,
Drink Sangria in the park,
And then later, when it gets dark,
We go home.
Just a perfect day,
Feed animals in the zoo
Then later, a movie, too,
And then home.

Oh it's such a perfect day,
I'm glad I spent it with you.
Oh such a perfect day,
You just keep me hanging on,
You just keep me hanging on.

Just a perfect day,
Problems all left alone,
Weekenders on our own.
It's such fun.
Just a perfect day,
You made me forget myself.
I thought I was someone else,
Someone good.

Oh it's such a perfect day,
I'm glad I spent it with you.
Oh such a perfect day,
You just keep me hanging on,
You just keep me hanging on.

You're going to reap just what you sow,
You're going to reap just what you sow,
You're going to reap just what you sow,
You're going to reap just what you sow...

Sétima madrugada de violência nos arredores de Paris



“Alguns jovens pegam fogo a carros e envolvem-se em confrontos com a polícia, na sétima madrugada de violência registada nos arredores de Paris. Estes confrontos começaram na passada quinta-feira, quando dois adolescentes morreram electrocutados quando fugiam da polícia, em Clichy-sous-Bois.”
Público

Só me lembro do “Ódio” do Mathieu Kassovitz. Ou da “voz de Lila” do Chimo. Filme e livro que marcaram o meu ano de 1997, quando os anos ainda não se misturavam.

1997, o ano do cometa Hale-Bopp.

No tempo



Era uma vila do mar. Lembras-te? Sentados no muro da igreja, a esta distância no tempo. Desejámos poder regressar. Afinal, a água estava demasiado fria.

O tempo?

À medida que passa, o tempo tende a misturar-se com tempo. Começa com os dias da semana. Segunda-feira primeiro confunde-se com terça. Depois é uma misturada que se junta a quinta-feira. Sexta-feira continua isolada, o entusiasmo, as saídas com os amigos, os dias intermináveis a comer em família, o livro que andava esquecido há 3 dias, desde o fim de semana passado.

Os meses também se confundem. A semana passada fui jantar com a Joaquina... Ãhhh... Não... Espera... Foi há dois meses...

Eu estou na fase dos anos. Estamos em 2005... Espera se calhar ainda é 2004... Não, não... Já estamos em 2007. Quantos anos tenho? Ai... Algures entre os 20 e os 30... Será? Mas já fui a tantas festas dos 30 anos! Será que já fiz a minha? Mas quando? Já me lembro foi em 2006.

Como será quando começar a confundir as vidas? E se não houver outras vidas? Será que o tempo se mistura com o vazio?

quarta-feira, novembro 02, 2005

E real



Acordas no país das maravilhas, que existe só porque alguém o sonha. Se esse alguém acorda evapora-se como quando sopramos uma vela, mas é verdade que existo, dizes a chorar. Está também Platão e a sua história da caverna; Descartes e a possibilidade de que tudo não seja mais que um jogo de um mau génio.
Eu apenas sonhei que caminhava junto a ti; se sonho que te amo, se sonho que existes, quem despertará no final do meu sonho?

Um velho sabedor sorri e sossega-me, eu poderia aceitar a ideia de que nada de bom me tivesse ocorrido de verdade, mas que tu não tenhas existido parece-me improvável. Sim, tu estás aqui segreda o velho, se não existe nada mais que eu, não existe nada de mim.

O Regresso não desejado

Custa tanto voltar ao dia a dia de trabalho. Até já me tinha esquecido como conduzir um carro e como detesto andar com as janelas fechadas.

Hoje apetecia-me ir ao cabeleireiro alinhar o que andou mal tratado durante duas semanas, depois ir à acupunctura relaxar os músculos. Almoçar o pequeno almoço do Mandarim, ir à praia que fica mesmo em frente e acabar a tarde na esplanada da graça a ver Lisboa adormecer em cores alaranjadas.