terça-feira, julho 11, 2006

O escritor C.

Retorcia as suas frases tentando subir mais alto, dando-lhes outra volta, impondo mais uma subordinada, outra metafora a parágrafos desproporcionados. Até que o voo se mostrava no solo impossível e indecente, e então regressava precipitadamente, de hélice atada ao próprio corpo, uma frase em queda livre. Mas pisava o chão com pés de chumbo, atabalhoado e confuso, ainda cego pela próximidade da luz omeçava a descida veloz da escada como se fosse arrastado pela inércia da hélice e aterrava no patamar do rés-do-chão, onde antes o esperavam os seus amigos. E, com o tom de quem acaba de regressar do deserto e ainda traz a areia incrustada nos olhos e na língua, propunha-lhes uma garrafa de cerveja, duas garrafas, uma em cada mão, desde que fossem eles a pagá-las.

Ele era o artista sofredor e incompreendido, o maldito do poeta. Eu tinha outro nome para ele: fraude.

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