quinta-feira, setembro 14, 2006

O que cai #2



Retirou os cobertores bruscamente e escutou com toda a atenção. Não se tinha enganado. Uma voz gritou ainda várias vezes: «Socorro!»
O Sr. L vivia numa vivenda junto ao rio. A voz vinha de um desgraçado caído ao Zezere.
Sem pensar no frio que fazia tremer os seus membros ressequidos, precepitou-se para o exterior. Atravessou a calçada e apoiado no parapeito olhou a água negra. Um homem, como se apanhado num líquido viscoso, debatia-se.

«Sou velho – disse o Sr. L – Que posso esperar mais da vida? Se salvo este homem que se está a afogar, terei mais satisfações que as que me podem dar alguns anos de vida miserável.»
Subiu o parapeito e lançou-se à água.
Foi ao fundo, porque tinha um coração de pedra.

6 comentários:

Anónimo disse...

Já pensaste em escrever um guião para cinema?
As tuas palavras são tão "visuais" que até arrepia!! :)

Unknown disse...

Obrigado, Ela.
São coisas soltas aquilo que escrevo. Nunca conseguiria escrever um argumento sólido e consistente que pudesse ser transformado num filme minimamente interessante. Por enquanto, fico-me pelo blog...

Beijos

Rita Pereira disse...

Quantos homens no mundo têm coração de pedra e vivem com esse coração até que na velhice, quando já aceitaram que a sua vida está a chegar ao fim, tentam com qualquer boa acção modificar o seu coração? Mas nessa altura também já o coração aceitou o facto de ser de pedra.

Beijo l.gato

Unknown disse...

Lindo! E o teu coração, que aceitou ele ser?
O meu? Ser livre para poder ser de quem escolher.

beijos, Serei(a)

Paredão disse...

Quando é tarde de mais para remediar toda uma vida! Muito bem escrito, o texto!

Unknown disse...

Obrigado, Druida.
Bem vindo(a) ao sofa!